Thaise Hagge

Thaise Hagge é managing director, CTO e fundadora do Compra Agora, marketplace B2B que conecta varejistas de vizinhança a indústrias e distribuidores. Ela nos conta por que a maternidade a transformou como profissional e quais mulheres a inspiram.


1. Como começou a sua carreira?

Minha trajetória começou em 2002, no mercado financeiro, atuando em banco de investimento — naquela época, eu imaginava que minha carreira seguiria por esse caminho. Mas logo percebi que meu interesse era mais voltado para áreas que uniam estratégia, inovação e impacto direto no consumidor. Foi então que entrei no programa de trainee do Grupo Fleury, atuando nas áreas comercial, de marketing e novos negócios.

O ponto de virada veio em 2009, quando assumi a gerência de e-commerce da Fast Shop, em um momento em que o comércio eletrônico ainda dava seus primeiros passos no Brasil, junto com o avanço dos smartphones e das redes sociais. Fui completamente fisgada pelo potencial de transformação do digital.

Ao longo da jornada, passei por setores como logística (DHL) e aviação (TAM), o que me deu uma visão ampla de operações e experiência do consumidor. Em 2017, cheguei à Unilever com a missão de gerar resultados para a indústria por meio do e-commerce e da transformação digital. Foi ali que nasceu o Compra Agora, um projeto que cresceu, ganhou vida própria e, em 2020, tornou-se uma empresa independente — hoje, um dos maiores marketplaces B2B do país, conectando indústrias a milhares de varejistas de vizinhança.


2. Como funciona o modelo de negócios do Compra Agora?

O Compra Agora é um marketplace B2B que atua como ponte entre grandes indústrias, distribuidores e o varejo de vizinhança em todo o Brasil — um ecossistema muitas vezes invisibilizado, mas que movimenta boa parte da economia nacional. Ajudamos esses pequenos varejistas a se digitalizarem, oferecendo uma plataforma simples, eficiente e orientada por dados.

Unimos tecnologia e inteligência de mercado para personalizar a jornada de compra, facilitar a reposição de estoque e gerar insights que impulsionam as vendas dos nossos parceiros. Hoje, são mais de 30 indústrias conectadas e mais de 600 mil varejistas cadastrados, com uma movimentação anual superior a R$ 6 bilhões. Nosso objetivo é claro: democratizar o acesso a soluções digitais e promover crescimento para todos os elos da cadeia.


3. Qual foi o momento mais difícil da sua carreira?

Um dos maiores desafios — e também uma das realizações mais marcantes da minha carreira — foi liderar a criação do Compra Agora dentro da Unilever. Convencer uma das maiores e mais tradicionais indústrias do mundo a apostar em um novo modelo de negócio, que reinventaria a forma de se relacionar com o varejo, foi uma missão que exigiu visão estratégica, persistência e muita coragem para desafiar o status quo.

O Compra Agora foi a primeira iniciativa global da Unilever na criação de uma empresa de serviços — em qualquer segmento, o que tornou o desafio ainda mais significativo. Em um ambiente estruturado e orientado por décadas de processos consolidados, propor algo completamente novo, que quebrava paradigmas internos e exigia uma mentalidade empreendedora, foi um enorme aprendizado. Liderar esse movimento e ver a ideia se concretizar em uma empresa independente, com impacto real na vida de milhares de varejistas, é motivo de muito orgulho.


4. Como você consegue equilibrar sua vida pessoal x vida corporativa/empreendedora?

Durante muito tempo, tentei dar conta de tudo — por vontade de aprender, crescer e corresponder às expectativas. Me envolvia em várias frentes, dizia “sim” para quase tudo, achando que isso era sinônimo de compromisso e força. Mas descobri, na prática, que dizer “não” também é um ato de responsabilidade — com os outros e, principalmente, comigo mesma.

Equilibrar trabalho, família e vida pessoal não é simples. Mas é possível, sim, alternar momentos de alta demanda com outros em que a gente se prioriza. Essa dança não precisa ser perfeita — só precisa ser consciente. Colocar-se em primeiro lugar não é egoísmo; é o que nos permite seguir com presença, clareza e força.

Esse equilíbrio é ainda mais desafiador para quem também é mãe. No meu caso, a maternidade me ensinou que mudar não é uma opção — é uma necessidade constante. Cada nova fase do meu filho, Theo, exige de mim uma nova versão: mais flexível, mais curiosa, mais presente. Ser mãe me treinou para viver em modo beta contínuo. E essa capacidade de adaptação, sem dúvida, me tornou uma profissional e uma líder melhor.


5. Qual seu maior sonho?

Meu maior sonho é que as minhas ações deixem um legado positivo — não só para as empresas por onde passei ou construí, mas para a sociedade como um todo. Quero olhar para minha trajetória e saber que contribuí para transformar realidades, abrir caminhos, gerar oportunidades e facilitar a vida de pessoas que, muitas vezes, estavam à margem do acesso à tecnologia, à informação ou ao reconhecimento.

Acredito que o sucesso real é aquele que é compartilhado. E se, de alguma forma, eu puder inspirar outras mulheres — especialmente mães, líderes ou empreendedoras — a acreditarem no seu potencial, a desafiar padrões e a ocuparem espaços com confiança e propósito, então terei cumprido parte do que vim fazer aqui.


6. Qual sua maior conquista?

Minha maior conquista foi transformar uma ideia ousada em realidade: criar, dentro de uma das maiores indústrias do mundo, a primeira empresa de serviços da história da Unilever — algo completamente novo para a companhia globalmente. O Compra Agora nasceu como uma proposta para digitalizar e fortalecer a relação com o pequeno varejo, e se transformou em um dos maiores marketplaces B2B do país, impactando diretamente a vida de milhares de empreendedores locais.


Mais do que o resultado financeiro ou o crescimento da empresa, essa conquista representa coragem para desafiar o modelo tradicional, resiliência para construir algo do zero dentro de um ambiente corporativo e visão para entregar valor real a toda a cadeia. Ver esse projeto se tornar independente, com cultura própria, impacto consistente e equipe engajada, é uma realização que carrego com muito orgulho — ainda mais por ter conseguido equilibrar essa jornada com a maternidade, aprendendo todos os dias a ser uma líder mais humana e consciente.


7. Livro, filme e mulher que admira (não pode ser a mãe).

Um livro que me marcou foi “A Coragem de Ser Imperfeito”, da Brené Brown. Ele fala sobre a importância da vulnerabilidade, da coragem para enfrentar as imperfeições e da autenticidade — temas que considero fundamentais tanto na vida pessoal quanto na liderança.

Um filme que me inspira é “Estrelas Além do Tempo”. A história dessas mulheres negras na NASA, que romperam barreiras invisíveis com talento, coragem e resiliência, sempre me emociona. É um lembrete de que talento e força não têm rótulo — e de como o ambiente precisa estar pronto para reconhecê-los.

E algumas mulheres que admiro muito são CEOs como Mary Barra, da General Motors; Safra Catz, da Oracle; Cristina Palmaka, presidente da SAP Brasil; e Luciana Staciarini Batista, presidente da Coca-Cola Brasil e Cone Sul. Elas representam, cada uma à sua maneira, liderança visionária, inovação e a capacidade de transformar setores tradicionais e historicamente masculinos, mostrando o impacto da liderança feminina no mundo dos negócios.